"Todos os caminhos levam a Roma"
Um museu a céu aberto. A famosa Via Appia já foi chamada
assim, com esta expressão moderníssima em 1850, por Luigi Canina,
responsável pelas “Antiguidades de Roma” do governo pontifício
dessa época.
Adoro fazer picnics com as amigas e explorar a Via Appia!
A construção desta estrada foi
iniciada no ano de 312 a.C, por ordem do censor Appio Claudio Ceco.
No ano de 268 a.C., a sua extensão chegava a Benevento (277km de Roma)
e em 191 a.C., a Brindisi (520 km de Roma), onde existia o porto
através do qual se comerciava com a Grécia e com o oriente.
Basalto da Appia
O início desta estrada é uma viagem
no tempo, pois nos leva ao período dos reis (753 a.C. - 509 a.C.): a
tradição diz que aqui existia um bosque sagrado onde
Numa Pompilio
pedia conselhos à Ninfa Egéria a respeito das leis sagradas de
Roma, e, mais para frente, durante o período republicano (509 a.C –
44 a.C.), os sacerdotes do
culto da Magna Mater lavavam a estátua da
deusa no antigo rio Almone, que passava por aqui.
Para "viciados em Arte e História", é um paraíso terrestre!
Nós percorreremos a
Via Appia a partir
da
Porta Sebastiana, onde tem o “
Museu delle Mura”, em direção
ao sul, às
colinas albanesas (
região dos lagos)
, para mencionar alguns dos
monumentos que chegaram até nós através de mais de dois mil anos
de história. Vamos lá!
Não se espante com a quantidade de
monumentos funerários que encontraremos no nosso caminho, pois uma
das antigas leis romanas, as doze tábuas (ano 450 a.C.), proibía a
construção de sepulturas no interior dos muros de proteção da
cidade (que coincidia quase 100% com o limite sagrado da cidade, que
se chama “pomério”). Appio Claudio foi o primeiro que desejou
ter a sua sepultura na “sua” estrada, e com isso lançou uma moda
entre as famílias abastadas. A coisa
divertida é que os monumentos funerários eram de tamanha beleza,
que muitos nobres daquele tempo sentiaram-se inspirados a construir
grandes mansões perto deles.
Tumba de Geta
No número 41 da Via Appia Antica (lado
esquerdo com as costas para os muros aurelianos) existe o monumento
funerário de Geta, filho do imperador Setímio Severo. A construção
original era realizada em calcestruzzo (o cemento romano cuja
“receita” ainda hoje não foi desvendada) e era composta por uma
base quadrada sobre a qual se apoiavam diversos andares com
superfícies que diminuiam a medida que se elevavam. Naturalmente
esta estrutura era completamente revestida de travertino (o mármore
branco aqui do Lácio).
A contrução que encontramos hoje aqui
é muito curiosa, pois além de ter sido completamente desnudada
do revestimento marmóreo, no topo desta espécie de estrutura
piramidal encontra- se uma estrutura com caráter de habitação,
construída nos primeiros anos do século XVI.
Infelizmente este monumento só pode
ser observado do exterior, pois ele ainda é propriedade privada;
este fato não constitui uma exceção que dificulta o trabalho do
Ministério dos Bens Culturais de Roma.
Igreja "Domini, quo vadis?" (“Senhor, para onde vais?”) ou Santa
Maria in Palmis
A bifurcação com a Via Ardeatina, é
um lugar importante, pois diz a lenda que neste lugar Pedro encontrou
Cristo quando estava indo embora de
Roma para fugir às perseguições
aos cristãos do período do Imperador Nero (~68 d.C.). Exatamente
neste ponto, Pedro teria perguntado a Cristo: “Senhor, para onde
vais?”; e Cristo respondeu “Vou à Roma, para ser crucificado
pela segunda vez”. Quando Pedro ouviu esta resposta, envergonhou-
se de estar fugindo da morte na cruz, retornou à
Roma, e de fato,
foi crucificado no Circo do Nero – e como bem sabemos, de cabeça
para baixo!
A igreja de Domini Quo Vadis, na Appia Antica
A denominação da igreja “in Palmis”
ou “do Passo” se refere à uma tradição medieval de venerar
uma pedra com duas impressões de pés que se encontra nesta igreja,
que acredita-se serem dos pés de Cristo.
As impressões dos pés de Cristo, dentro da igreja Quo Vadis
Seguindo pela Via
della Caffarella, passa-se por longos muros para chegar à uma outra
propriedade privada com uma casinha colonial e com o chamado
Templo do deus Redícolo ,
dedicado à divindade que fez com que Aníbal retrocedesse com seu
exército (XXX ano). Na verdade trata-se do
Monumento
funerário de Annia Regilla,
esposa de
Heródes Ático (século II d.C.). Esta é uma construção
de beleza singela, onde notamos duas tonalidades diferentes de
tijolos que compõem a base retangular com tímpano.
Monumento funerário de Annia Regilla
Retornando à
nossa Appia Antica, nos aproximamos das famosas Catacumbas de San Callisto (São
Calixto).
Eu, no Circo de Maxêncio
Vale a pena
relembrar a origem da palavra catacumba, que vem do grego
“kata´”, “nas” e “kymbas”, “cavidade”.
Iniciadas no II séc. d.C., estas
catacumbas foram construídas em terrenos doados por famílias
abastadas que tinham se convertido ao cristianismo, de modo que os
adeptos desta nova religião pudessem ser enterrados, pois o novo
conceito de morte previa uma cela para o defunto, que não era mais
cremado, como no culto pagão, pois a morte era vista como um sono
onde a alma acordava sucessivamente para o Juízo Final, e em
seguida, para a vida eterna.
Aqui foram enterrados 16 papas e mais
de 50 mártires nas galerias subterrâneas, que chegam a ter uma
extensão de quase 20km nos 15 hectares de terreno!
Santa Cecília também foi enterrada
nestas catacumbas, mas as suas relíquias foram levadas para dentro
dos muros aurelianos no ano de 821, pelo papa Pasqual I, e se
encontram hoje na
Basílica de Santa Cecília, em
Trastevere. É
interessante o afresco do IX século, com a santa que reza, um busto
do Cristo e papa mártire São Urbano.
De maneira geral, os afrescos das
catacumbas, apresentam-se como uma interessantíssima iconografia da
passagem do culto pagão ao cristianismo; eu, particularmente, adoro
todo o tipo de representação deste período: desde os afrescos,
passando pelas diferentes inscrições sobre o defunto, os símbolos
das corporações a qual ele pertencia, os desenhos de cestos de
pães, até os “rabiscos” do
bom pastor sobre mármore; a
escrita “ICTUS”, que significa “peixe” em grego e cujas
iniciais estão para: “Jesus Cristo, filho de Deus, salvador” -
acho tudo isso emocionante demais! Aliás, é aqui mesmo que se
acredita que foi pintado o afresco mais antigo com a representação
do
bom pastor e de
figuras que rezam, os “oranti”,
do final do século II, início do III século.
O próximo monumento importante que
encontramos é a Basílica de São Sebastião,
para onde acredita-se que foram trazidos os restos mortais dos santos
Pedro e Paulo durante as perseguições do ano de 258. Após o Edito
de Constantino de 313, isto é, o documento através do qual os
cristãos obtinham finalmente liberdade de culto, as relíquias dos
dois santos votaram ao lugar onde eles tinham sido enterrados logo
após o martírio, e nestes dois lugares foram contruídas as grandes
basílicas de São Pedro e São Paulo Fora dos Muros.
A fachada desta basílica como a vemos
hoje é o resultado da modernização feita pelo cardeal Scipione
Borghese entre os anos de 1608 – 1613, iniciada pelo arquiteto
Flamínio Ponzio e finalizada peor Giovanni Vasanzio.
Aqui mesmo, temos acesso à entrada das Catacumbas de São Sebastião,
um dos poucos cemitérios cristãos que ficaram abertos desde o seu
início ininterruptamente, o que infelizmente contribuiu para a sua
deterioração.
Podemos ver alguns afrescos e as
eventuais sepulturas temporâneas dos apóstolos Pedro e Paulo.
Villa de Massêncio, foto de Christina Heger
Continuamos o nosso caminho e, a mais
ou menos 150m do lado esquerdo, mais precisamente no nº153, temos a Mansão (Villa)
de Maxêncio, grande complexo arqueológico composto pelo
Mausoléu de Rômulo, Circo de Maxêncio e o Palácio Imperial, cuja
maior parte ainda deve ser escavado.
Quanto ao Circo, 513m x 90m,
podemos dizer que é um dos exemplares deste tipo de construção que
chegou até nós em “excelente” estado: da arquitetura podemos
ver algumas torres e os “estábulos”, estrutura de onde partiam
as carroças para a competição. A spina, estrutura que
dividia o circo longitudinalmente, era decorada com esculturas,
edículas e com o obelisco que hoje vemos na Praça Navona
(transportado pelo grande Lorenzo Bernini para adornar a famosíssima
Fonte dos Quatro Rios).
A capacidade deste circo era de 10.000
pessoas, e infelizmente da arquibancada não sobrou muita coisa.
Passamos por um quadripórtico, que
serve de entrada ao
Mausoléu de Rômulo, estrutura realizada
para o filho de Maxêncio, morto prematuramente, e que depois serviu
também para outros membros da família imperial. Esta curiosa
estrutura de forma redonda tem 33m de diâmetro e originalmente
possuia nichos ao longo do seu perímetro e era coberta por uma
cúpula com
olho central.
Saímos deste curioso e rico complexo
arqueológico para encontrar a 200m, do mesmo lado, a famosíssima Tumba de Cecilia Metella, um
verdadeiro emblema da Via Appia Antica! Este mausoléu realizado
aproximadamente no ano de 50a.C. foi contruído sobre uma base
quadrada e revestida de placas de mármores travertino, sobre a qual
se eleva um corpo cilíndrico de 29,5m de diâmetro e 11m de altura.
Uma grande lápide de mármore no
exterior da construção nos informa a quem foi dedicada esta
construção: Cecilia, filha de Metello Crético (que conquistou a
ilha de Creta) e esposa de Crasso, general de Júlio César na Gália.
Os “merlos” medievais foram
inseridos pelos Caetani, família que ocupou o monumento durante o
século XIV, transformando-o em forte e castelo. Muitos elementos
marmóreos que foram encontrados durante as escavações da Via Appia
foram recolhidos e se encontram no interior deste monumento, que é
um curioso museu, pois é utilizado pelo Ministério dos Bens
Culturais assim como chegou até nós: sem teto.
Interessante as janelas bíforas (veja
exemplo abaixo) da única parede que ainda está de pé, da Alta
Idade Média, a cela sepulcral no interior do cilindro, que é
considerado uma das construções mais antigas com o uso de tijolos!
Cecilia Metella, com os dois pares de janelas bíforas
Na frente da Tumba de Cecilia Metella,
temos as paredes perimetrais da antiga igreja gótica de São
Nicola em Capo di Bove, uma das raras testemunhas deste
período em Roma.
Igreja de São Nicolau, na frente de Cecilia Metella
A 300m deste monumento à direita, tem
uma lojinha onde fazem excelentes sanduíches, para matar a fome se a
longa caminhada tiver aberto o seu apetite!
Depois do lanche, estamos prontos para
entrar no chamado V milho* e ver monumentos do
final do período republicano misturados com outros do auge do
império, todos de personagens desconhecidos (ou meno de pouca
relevância histórica); alguns monumentos possuem retratos e
inscrições sobre os defuntos.
À esquerda notaremos uma estrutura
monumental em forma de pirâmide e à direita túmulos atribuídos
aos Horácios e Curiácios, no trecho conhecido como Cluiliae,
onde teria acontecido a luta mítica entre representantes das cidades
rivais de Roma e Alba Longa, depois da qual Roma assumiu
definitivamente a supremacia da Liga Latina.
Nós, pobres mortais, continuamos a
caminhar sobre os milenares paralelepípedos de silício sem ter
acesso a inúmeros outros monumentos que ainda se encontram em
propriedades particulares, atrás de muros altos que impedem a
contemplação do viajante.
Vamos finalizar daqui a 400m a nossa longa visita à rua mais
antiga e linda do mundo ocidental tendo à esquerda a Villa deiQuintilli: a maior, mais rica e bonita mansão (villa)
dos arredores de Roma, que pertenceu aos irmãos Quintilli e que
desde o século XIV nos presenteia com inúmeras obras de arte
durante as escavações. Os refinados irmãos tinham morado na Ásia
Menor e, quando retornaram à Roma, trouxeram inúmeras obras de
arte, com as quais adornavam a majestosa mansão. A inveja do
imperador Cômodo fez com que ele os condenasse e confiscasse os seus
bens, passando a ser o dono da esplêndida villa!
Durante a alta idade média a mansão
foi englobada num ninfeo, que é o que vemos do lado da Appia Antica. Este sítio arqueológico pode ser
explorado em um outro dia. Para mais informações leia o post: Villa dei Quintilli.
Este é um dos passeios mais especiais
de Roma, pois uma das maiores expressões do gênio romano foram os
aquedutos e as famosas estradas, as “vie consolari”, que
permitiam com que os homens se deslocassem por longas distâncias via
terra, o que até então acontecia somente por viagens de navios
através de rios ou mares. A enorme rede de estradas romanas deu origem ao famoso ditado "todas os caminhos levam à Roma".
Por que os aperitivos nunca são suficientes!
* O "milho" é uma medida de distâncias antigas e que varia entre 1 e 2 metros, dependendo do período histórico. A palavra
miglio vem da expressão latina
milia passuum, que era equivalente a mille passus, isto é, mil passos, que correspondia a 1,48m na antiguidade.Para compreender Roma são necesessários anos de estudo de arte, arquitetura e arqueologia e outros tantos anos para aprofundar este conhecimento e escrever artigos como este. Escolha uma guia profissional pois ela fará uma grande diferença na sua estadia.
De brasileiros para brasileiros na Itália: reserve aqui a sua guia de turismo que fala português.
Villa di Massenzio
Via Appia Antica, 153, 00179 Roma
Horário de abertura:
Ter-Dom: 10.00-16.00h
24 e 31 Dezembro 10.00-14.00h.
A bilheteria fecha uma hora antes do fecho.
Dias de fecho:
Segundas-feiras, 25 Dezembro, 1° Janeiro, 1° Maio
Cecilia Metella
Horário de abertura:
Ter-Dom: 09.00-16.00h
24 e 31 Dezembro 10.00-14.00h.
A bilheteria fecha uma hora antes do fecho.
Dias de fecho:
Segundas-feiras, 25 Dezembro, 1° Janeiro, 1° Maio
- do último domingo de outubro a 15 de fevereiro: última entrada às 15.30h e fecho às 16.30h;
- de 16 de fevereiro ao dia 15 de março: última entrada às 16.00 e fecho às 17.00;
- de 16 de março ao último sabado de março: última entrada às 16.30 e fecho às 17.30;
- do último domingo de março ao 31 agosto: última entrada às 18.15 e fecho às 19.15;
- dal 1° settembre al 30 settembre: última entrada às 18.00 e fecho às 19.00;
- dal 1° outubro ao último sabado de outobre: última entrada às 17.30 e fecho às 18.30.
Tickets:
Ticket combinado para três monumentos, válido por 7 dias para 3 sítios arqueológicos: Termas de Caracalla,
Villa dei Quintili, Mausoleo di Cecilia Metella.
Inteiro:€ 6,00 e Meio: € 3,00 para cidadãos da União Européia entre os 18 e os 25 anos e docentes
da União Européia .
Gratuito: visitantes menores de 18.
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